Incrível como uma simples conversa pode transformar-se em uma profunda reflexão sobre a vida. Tenho um grande amigo com quem costumo trocar longos e-mails sobre os mais diversos assuntos com a freqüência que a correria do cotidiano permite. Detalhe: moramos na mesma cidade, estudamos na mesma faculdade, no mesmo corredor, e raramente conseguimos parar para um simples bate-papo nos intervalos entre uma aula e outra. Nessas horas eu penso como é cruel nos tornarmos escravos do mundo globalizado, deixando de investir nosso tempo nas coisas mais simples da vida, que nos são tão caras. O mesmo pode-se dizer da tecnologia moderna como um monstro de duas cabeças, que se por um lado facilitou diversos recursos e transações, por outro tornou-nos obcecados pela realidade intangível. Nunca fui lá muito fã de internet. Mesmo com as tantas coisas inegavelmente boas que ela traz, sempre achei um meio de comunicação um tanto quanto impessoal quanto se trata de estar em contato com amigos e conhecidos. Mas apesar disso ela tem lá suas virtudes, pois permite que apesar dos percalços físicos, cronológicos ou financeiros (sim, porque colocar o papo em dia com um amigo ao telefone pode resultar em uma altíssima conta no fim do mês), possamos manter contato com as pessoas que queremos bem.
É como acontece entre esse meu amigo e eu. Aliás, nossos bate-papos acabam sendo sempre bem mais do que trocas de e-mails, funcionando muitas vezes como uma injeção de ânimo, reflexão e saúde mental/emocional. E o mais interessante é que são sempre regadas por muita seriedade e bom humor.
Outro dia mesmo um desses nossos e-mails acabou tornando-se uma análise um tanto profunda sobre liberdade, inquietações e busca por respostas acerca da vida. Foi aí que eu disse ao meu amigo “olha, acho que isso vai acabar virando um texto, viu!”. Aliás, se um dia eu decidisse transformar todas as nossas “confabulações” em textos, um livro seria pouco. Isso sem contar, é claro, com o romance-dramático-psicológico que já combinamos de escrever um dia sobre… bom, essa já é uma outra história (pitoresca, por sinal). Aliás, aí está um sério problema meu: quando começo a tentar escrever algo, sou incapaz de ser breve em minhas explanações, sinto uma necessidade incontrolável de escrever tudo “nos mínimos detalhes” para não ser mal interpretada. É como se eu tivesse tanto para falar e não soubesse ao certo por onde começar, então as idéias acabam me atropelando e sempre fica faltando dizer algo.
Mas voltemos então ao “e-mail que virou texto”. Tudo começou com uma tentativa de parabenizar esse meu amigo por mais um ano de vida (tentativa vergonhosa, diga-se de passagem, porque amigo que é amigo não dá parabéns pela internet, né). E dos parabéns a conversa migrou para comentários sobre filmes e as novidades do final de semana. Foi então que a nossa viagem de fato teve início.
Naquele final de semana eu tinha ido a uma Festa dos Anos 60, regada a muitos vestidos de bolinha, jaquetas de couro e músicas inesquecíveis da época. E que época boa, diga-se de passagem, em que a juventude sabia aproveitar melhor a vida. Claro que também cometia erros, afinal eram os tempos da rebeldia declarada, da juventude transviada. Mas apesar disso, vivenciavam melhor os prazeres que a adolescência era capaz de proporcionar, diferentemente dos jovens de hoje.
Às vezes eu gostaria de ter nascido em outra época. Nas palavras de meu amigo, “não que outras épocas tenham sido melhores, mas as pessoas de hoje, de um modo geral, são muito pequenas na alma, salvo raras exceções que buscam um pouco de conhecimento e sabedoria”. Essas exceções, por sua vez, acabam por sentir-se meio deslocadas, diferentes do mundo. Mas “o jeito é sermos diferentes sem nos preocuparmos com o que os outros vão fazer”. Essa etapa eu já aprendi. Nunca fui muito de me deixar afetar pela opinião alheia. Dizer que nunca me incomoda também já é hipocrisia, mas acho que aprendi a conviver com ela de forma amigável, e hoje sou bem tranqüila em relação a isso.
Por causa desse desejo de poder vivenciar experiências em outros período da história várias vezes já pensei em embrenhar-me no campo das descobertas científicas para construir uma máquina do tempo. O projeto em si até já tenho em mente, mas é claro que até realizar sua execução com sucesso, infelizmente, já são outros quinhentos.
Às vezes sinto-me como se não fosse daqui. Meu amigo diz que também se sente dessa forma algumas vezes. Acho que é meio como se fossemos pássaros ansiosos por levantar vôo e alcançar o horizonte inalcançável. Talvez essa não passe de uma sensação normal do ser humano, como se fosse uma fuga para a realidade. Uma forma de saciar aquela vontade que todo mundo um dia já deve ter sentido ou que ainda vai sentir de colocar uma mochila nas costas e sair mundo afora em busca de mais, em busca de um lugar em que possamos nos sentir completos, deixando todos os fantasmas que nos perseguem para trás (e você pode até negar, mas todos temos nossos fantasmas).
Cada vez que leio um livro ou vejo um filme, sinto-me ainda mais atraída para essa outra dimensão que ainda não encontrei. E é neles que me apoio para encontrar uma forma de fuga, são como uma salvaguarda da fantasia. O mais estranho é que esse sentimento não é de insatisfação, pelo contrário, sou feliz com a vida que tenho, amo minha família, meus amigos, meu trabalho e meu estudo. Acho que essa sensação explica-se melhor como uma “sede de saber” insaciável, difícil de explicar. Nem todos têm isso, mas, pelo que sei, os que tem adquirem um espírito de independência e liberdade maior do que poderiam imaginar, e muitas vezes, enquanto alguns levantam vôo, outros acabam se fechando em sua própria concha em busca de respostas. É como se você estivesse dançando de olhos fechados, no meio da pista, entregue ao ritmo da música, em um momento que deveria ser perfeito, mas não é, porque apesar de estar de olhos fechados, você fica imaginando qual será a próxima música, quem estará ao seu lado, ou ainda torcendo tanto para que aquele momento não acabe que ele acaba e você nem percebe. Às vezes é como a sensação de ser dotado de uma “mente superior”, embora essa expressão soe orgulhosa demais. Mas é um superior no sentido de refletir sobre coisas que você imagina que ninguém pensa, e então você se pega indagando: será que só eu penso isso? Seria loucura ou paranóia minha? Até acabar descobrindo que há mais alguém na face da Terra que também pensa como você, e isso faz com que não se sinta tão só ou diferente.
A pergunta de meu amigo explana bem essa contradição: “Você prefere a felicidade da ignorância ou a angústia do conhecimento?” (Ignorância no sentido de ignorar as coisas, de não saber que elas existem ou que são tudo uma grande farsa). Concordo com meu amigo quando ele diz que o conhecimento é realmente angustiante. Há um lado bom na “felicidade da ignorância”, já que a inocência mantém os corações puros por mais tempo, mas também podem sugerir um efeito avassalador quando chega o momento de confrontar a realidade crua. Assim como o conhecimento, apesar de angustiante, também nos permite prazeres únicos; é como penetrar em território proibido e descobrir grandes segredos. E o mais incrível é que, a cada novo aprendizado percebemos que na verdade não sabemos nada, que ainda há uma infinidade de coisas a serem descobertas. “Cada livro lido não é mais um, e sim menos um em uma lista que aumenta a cada dia”. Cada página, cada respiro pode significar uma nova descoberta, e é esse tipo de conhecimento que trazemos para a vida e nos é tão precioso.
Acho que fico com a angústia do conhecimento. Pode parecer masoquismo, mas acredito que é o melhor caminho para tentar encontrar as respostas que tanto procuro, mesmo que elas não estejam explícitas no conhecimento em si, mas sim nos caminhos trilhados e nas experiências vividas. Além do mais, é o único bem que ninguém pode tirar-nos. É essa necessidade por respostas que faz o homem buscar no mundo da fantasia, nos filmes e nos livros uma forma de catarse, uma válvula de escape. Representam nossa fuga conforme somos rebeldes para com a realidade, e queremos viver as situações ali descritas, que nos parecem muitas vezes mais confortáveis que o mundo real. Acontece que nas histórias e romances existem amantes que nunca encontraremos, dramas que nunca viveremos e situações e personagens inconcebíveis no plano real. Mas a fantasia faz parte do nosso ser, e é tão necessária quanto o ar para seguirmos adiante. Como diz o profeta, “há mais coisas entre o céu e a Terra do que possa compreender vossa vã filosofia”. Acho que essa frase explica bem a situação.Às vezes sinto falta de coisas que sei que jamais serão reais. O que me conforta é saber que, apesar de procurar na fantasia algum tipo de proteção, eu ainda mantenho meus dois pés bem firmes no chão. E isso me mantém viva. Me faz querer mais, querer buscar aquilo tudo. Às vezes fico pensando que talvez seja esse o tal “sentido da vida”, buscar sempre algo que não sabemos bem o que é. Afinal, se fosse tudo tão simples, e se a busca um dia terminasse, qual seria o objetivo de viver após a grande descoberta? Mas quem sabe um dia a vida não mostra o caminho para compreender e encontrar essa “coisa” tão complexa.
lipe fonseca
21 de março de 2007 at 15:31É possível perdoar um amigo que demora tanto tempo para visitar um blog? Não, talvez não. Mas, como estive na conversa que inspirou o início desse “local” na internet, creio que mereça o perdão, ou pelo menos o tenha por misericórdia. Bem, aleluia, o blog nasceu! Estava mais do que na hora de você se adentrar nesse mundo e deixar registradas suas idéias. Abraços, continuo no seu pé.
Letícia
30 de março de 2007 at 10:10Não apenas é necessário perdoá-lo, mas também agradecê-lo por sua honrosa presença em um espaço que me é tão caro. Um espaço que representa meu mundo, meus momentos particulares, meus “devaneios”….
Seja sempre bem vindo ao meu espaço, e tenha-o como sendo também seu! Pois se hoje ele existe, é porque voce sempre foi um de meus grandes incentivadores… Obrigada.