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Glow: diversão descompromissada na tela e trilha sonora pra não colocar defeito

Enfim, alguns meses depois que a Netflix lançou Glow, decidi me aventurar.

 

Em tempos nos quais o feminismo impera se confunde muitas vezes com bandeiras rebeldes e sem limites, a série retrata de forma leve e descompromissada a luta de mulheres tão diferentes para encontrar seu lugar em meio à uma sociedade machista e os deliciosos anos 80.

E o resultado é diversão e reflexão garantidas…

Ah, os anos 80! O mais legal de todas as produções que trazem como pano de fundo essa década é que elas brincam sem medo com os esteriótipos que tornaram a época tão característica (e saudosa para muitos!). Foi assim que Stranger Things, por exemplo, conquistou milhares de fãs: juntando todas as referências possíveis do que era mais legal no cinema nos anos 80 e uma dose extra de suspense, mistério e o que falta à muita gente nos dias de hoje: contato! Mike, Dustin, Lucas, Wil e Eleven resgataram o que há de mais precioso em um futuro onde a tecnologia impera e as relações são mais digitais e superficiais do que nunca: os verdadeiros e mais profundos relacionamentos pessoais e a amizade (Friends never lie!).

Aliás, falando em anos 80 hoje tem mais uma produção nova que estreia no Netflix e traz como pano de fundo a década seguinte – os anos 90 – com todos os ingredientes que a gente mais gosta: a série Everything Sucks… O trailer com a internet discada e a trilha sonora já me ganhou, maratona garantida no final de semana! 

Mas voltemos o foco à Glow. E antes de mais nada é preciso começar citando a musa dos memes brasileiros nas divulgações da série: Gretchen no auge do seu império cibernético foi a garota propaganda escolhida pela empresa que melhor aprendeu como interagir com seu público (Fábio Junior com Santa Clarita Diet, Xuxa com Stranger Things e por aí vai… Se você não viu ainda, por favor volte para a Terra por um dia e devore esses vídeos que vale a pena, depois você volta para Marte, Plutão ou o planeta que preferir).




Pronto, nem precisa comentar mais nada sobre este item, certo? A musa do bumbum já diz tudo. E sensacionaaaaal a sacada da disputa com Cadillac, trazendo total essência ao roteiro da série. Netflix, a milha melhor relação da vida: aquela que rouba meu sono, me arranca as melhores risadas e nunca me abandona!

E aí logo de cara o que se vê é muito brilho, exagero e drama. Drama, aliás, deveria ser o primeiro nome de Ruth, a personagem principal da trama. Os segundos iniciais já mostram a que ela veio: sua tentativa de um papel representando por uma mulher a força feminina ao invés de ser “apenas” a secretária. Uma aspirante atriz tentando emplacar sua carreira em Los Angeles, mas que está sempre à sombra do fracasso e de sua melhor amiga, Debbie, na vida profissional e na pessoal. Enquanto Debbie brilha nas telas da tv e tem uma família linda, os bastidores mostram que tudo não passa da maquiagem social tão típica à qual muitas mulheres se submetiam antes da independência feminina se tornar um direito de todas. Debbie fazia uma personagem que entra em coma (sim, qualquer semelhança com Joey Tribiani em Day of our Lives não é mera coincidência!) e abandona a carreira na busca pela estabilidade de um bom casamento. Se torna mãe e descobre que o marido a traiu com a melhor amiga (Ahan… Ela mesma, a Miss Drama). A amizade desaba, mas a briga vai servir de pano de fundo para pontos importantes da trama.

E enquanto tudo isso acontece, Ruth está no fundo do poço (não tem emprego, grana e é assaltado por um bando de pivetes), mas segue na luta por um emprego e um papel de destaque em sua carreira. É assim que ela vai parar em um ginásio praticamente abandonado na busca por um papel que não faz ideia de qual será. E aqui vale um parênteses: suas atuações exageradamente dramáticas são um deleite a parte para o riso, principalmente quando ela começa a criar os contornos dramáticos para o pano de fundo das lutas sob o comado de Sam Sylvia, o diretor fracassado de produções B que sonha em realizar a produção mais tosca do universo (e filmes B também não eram uma das paixões dos anos 80?!).

Com uma proposta maluca de criar a primeira luta livre feminina para a televisão, Xxxx seleciona um bando de mulheres que não tem nada a perder, estão à beira do fracasso, mas não perdem a força interior e a vitalidade de conquistar algo para si. E mesmo quando cada novo teste ou avanço na produção parece um desastre, é então que Debbieinvade o ginásio para acusar a amiga de traição e a briga real se torna a principal esperança do diretor em fazer o show funcionar.

No mais, os capítulos da trama cuidam de mostrar a evolução das mulheres e a luta de todos para fazer o show acontecer enquanto a série trata de assuntos que eram tabu nos anos 80 (aborto, homossexualismo, drogas, independência feminina, liberdade sexual) e toda a história da década do brilho (festas, guerras políticas, consumismo, etc), usando a época em que tantas barreiras foram rompidas como condutor da busca feminina por seu merecido espaço e o início do empoderamento da mulher.

Destaque para Justine (ALERTA DE SPOILER! Não continue lendo a frase se não quiser saber surpresas!), que se esconde sob a pele de uma jovem em busca de trabalho para se aproximar do pai, o diretor Sam. Ela incorpora muito bem a pequena maluca punk rock apaixonada pelo entregador de pizza em busca da verdade sobre suas origens.

Mas cada personagem merece um aplauso. O que dizer da Sheila The Wolf, que sem dizer uma palavra cria sequencias incríveis, ou ainda da força arrasadora de Cherry, que supera um aborto e a relação vazia do passado com o diretor para se tornar uma grande líder e treinadora do grupo! Uma pena serem tão poucos episódios para explorar ainda mais a trama por trás de cada história.

Enfim, está tudo lá. O pacote completo: a típica americana barbie apaixonada pelos holofotes, a dramaticidade de quem precisa provar seu valor a qualquer custo, a inocência gentil de quem nasceu rodeada por homens e nunca teve a oportunidade de mostrar sua força, as tiazinhas sem graça que só querem diversão, juventude transviada, filhinho de papai, machão inveterado, permanentes, ombreiras (você sabia que a ombreira surgiu em um período em que o Power Dressing desenvolvido por Gianni Versace as adotava em blazers ajustados para salientar a altura da mulher e colocá-la em uma posição de destaque em meio aos homens no meio corporativo?), bodys cavadíssimos, muita maquiagem… Todos os ingredientes que tornam a série uma combinação leve e descompromissada dos anos 80 retratados por seu melhor ângulo: o da transparência escrachada, sem medo de brincar com seus exageros ou verdades mais ácidas. E tudo no ringue, simbolizando uma luta silenciosa que vai muito além de cada movimento bem ensaiado nos ângulos mais perfeitos para o público: é, para cada um, uma luta pessoal na busca por seus ideais, sonhos e valores.

Glow acaba, desse modo, sendo não apenas um escape do mundo real para algumas horas de diversão, lágrimas e riso, mas também uma aula de história sobre muita coisa que os anos 80 trouxeram e que ainda não está em nenhum livro que se distribui nas escolas.

E aí fica uma reflexão bem interessante feita pelo Cinepop: se mulheres já assumiam postos de chefia em corporações e lutavam em plena década onde a internet ainda era um ideal e a IBM disputava espaço com a Apple para lançar os primeiros computadores, por que será que ainda temos dificuldade com os mesmos assuntos 30 anos depois? 


Trilha sonora: um show à parte

Muito amor pelos anos 80, minha gente! Quem teve a oportunidade de pegar a rabeira dessa década e cresceu ouvindo nos LPs e Fitas os clássicos do rock escondido do tio adolescente sabe do que eu estou falando.

Em Glow a trilha sonora é um dos mais importantes fios condutores da trama. A cada instante existe uma canção carregada de significado no momento certo da história para ajudar a encaminhar a evolução e sentimento das personagens.

Os primeiros minutos da abertura da série já avisam a que vieram ao som de Patty Smyth, com The Warrior:


Mas a trupe está toda reunida: Journey, Roxette, Pat Benatar, Bon Jovi, Quiet Riot, Scorpion, INXS, Lita Ford, Kenny Loggins, Whitesnake… Tem boas lembranças para dar e vender. Se você não gostar da série, da trilha sonora não tem risco algum de não se apaixonar. É só usar o Spotify (ah, o mundo do streaming e a nova era da distribuição de conteúdo a preços honestos!) e se deleitar: link

 

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