A gente vê por aí uma porção de filmes moralistas que falam sobre dar uma segunda chance. Dessa porção, alguns poucos assistimos com a merecida atenção e interesse. Mas “A Gangue Está em Campo” conseguiu me convencer de sua mensagem.
Baseado em fatos reais, o longa conta a história do treinador Sean Porter em sua difícil e corajosa empreitada para resgatar à sociedade alguns dos jovens delinquentes que passam pelo reformatório onde trabalha por assassinatos, roubos e outros crimes, na esperança de conseguir reduzir o número de reincidentes e diminuir os índices de volta para a prisão ou morte quando são soltos…
Cansado e frustrado em não ver qualquer retorno ou mudança pelos meios tradicionais do sistema criminal, Porter recorre ao futebol americano para tentar trazer um pouco de disciplina, responsabilidade e dignidade aos garotos. Desde o início ele tem consciência de que não seria uma tarefa fácil, mas mesmo nos momentos mais difíceis, não desiste.
Entre os detentos, muitas histórias das mais variadas origens no universo da violência, gangues e crimes. A maioria deles não teve uma oportunidade para escolher até aquele momento: cresceram no mundo da violência e viviam orientados por ela. Escolher entre seguir suas regras ou questioná-las não era uma opção, era sobrevivência. Mas no campo, é Porter quem dita as regras.
Durante as quatro semanas que antecedem o campeonato e por todos os jogos, os que os meninos aprenderão é não apenas a ter um pouco de auto-estima e confiança em sua capacidade de mudar e ser alguém ou provar seu valor, mas também a ter respeito, força de vontade e conduta para trabalhar em equipe e batalhar com honestidade para se tornarem vencedores. É com essa mensagem que Porter bravamente conquista a adesão de cada um dos Mustangs (nome que batiza o time), com o ideal de que finalmente deixarão de ser os perdedores que a sociedade recrimina para se tornarem vencedores de suas próprias vidas.
Enquanto isso, ao mesmo tempo em que muda a perspectiva de vida dos garotos, Porter enfrenta seus próprios dramas, como a relação mal resolvida com o pai e a morte de sua mãe, além de ir contra todo um sistema governamental para levar seu time à campo. Ele se envolve com a trajetória de cada garoto e se mobiliza por eles, mas sem carregá-los no colo, deixando que aprendam a caminhar com as próprias pernas, pois é assim que será a vida quando saírem do centro de detenção: dura e impiedosa. Sua experiência como jogador de futebol americano no passado aliada à sua paixão e os resultados de seus esforços conquistam a diretoria do reformatório e boa parte da população local, que passam a se mobilizar para incentivar a continuidade do programa.
Duvido que você não vai vibrar com eles durante o campeonato e se emocionar com a vitória digna de verdadeiros campeões ao final, conquistada a duras penas, com muito mais do que treinos físicos, numa mistura que vai muito além do que o corpo pode sustentar, mas que mexe com a alma e o psicológico de cada um de seus jogadores no jogo da vida…
Muitos dos garotos saem da prisão com bolsas de estudo garantida para prosseguir na carreira esportiva, outros recuperam suas relações familiares e conquistam seu espaço na sociedade, e outros ainda passam algum tempo tentando lutar contra os empecilhos do mundo das gangues. A porcentagem de 75% de reincidência antes do programa cai para menos de 25%.
Por que então este filme me convenceu da mensagem que tenta transmitir? Bom, vamos partir do princípio de que toda lição de moral tem seu lado de conto de fadas irremediável. Mas o que “A Gangue Está em Campo” foca é justamente a idéia de dar uma outra opção a quem nunca teve. Para aqueles garotos que estão na prisão, a vida sempre foi dura. Eles cresceram nos piores becos e ruelas, vítimas da violência e aliados à ela para sobreviver ao próprio destino, entre balas, drogas e facas. Quando Porter entra em cena, ele os mostra que há um outro caminho, uma outra alternativa e que eles podem sim fazer uma escolha. E aqueles que ainda não estão envenenados ou cegos pela violência dos becos de fato a acolhem e resolvem que podem experimenter o outro caminho. Isso é ser o vencedor que Porter propõe a eles no início do treinamento. Enfrentar seus próprios medos, o julgamento da sociedade, perdoar a si mesmo e mudar de rumo. É possível sim que uma pessoa faça a diferença.
Eu nunca fui fã de Dwayne “The Rock” Johnson, mas me tornei. Usando sua extensa bagagem como também jogador de futebol americano no passado (antes de ganhar fama como wrestler), ele consegue dar vida à Sean Porter com toda perfeição, emocionando o público com os dilemas de um homem frustrado, que enfrenta seus próprios medos ao fazer uma proposta que pode ser o ápice de sua vida ou o fundo do poço. A luta dele é tocante, e sua coragem em não desistir é uma lição e tanto para muita gente. Ele mexe com os garotos, mas também se sente mudado pela convivência com eles.
Se o sistema público transportasse histórias como essa para a realidade, poderíamos ter um pequeno vislumbre de mudança. Sabemos, é claro, que não é nada fácil mudar o sistema penitenciário na esperança de que um programa possa dar resultados expressivos, mas se 1 em cada 10 garotos for recuperado, então poderemos ter uma sociedade melhor amanhã. É preciso sim investir em educação para que não cheguem ao sistema, mas é tão necessário quanto reverter o quadro dos que já chegaram lá, para que ao saírem não sejam engolidos novamente pela violência, levando consigo aqueles que a educação tanto tentou salvar.
O verdadeiro programa de Sean Porter, em que se baseou o filme, é tema do documentário premiado como melhor da TV em 1993: Camp Kilpatrick Mustangs, de Lee Stanley (produtor de “A Gangue Está em Campo”). Durante os créditos finais do longa, alguns trechos do documentário são exibidos e deixam clara a veracidade de cada cena transportada para a ficção. Em alguns casos, até mesmo a semelhança física dos atores com os verdadeiros garotos é imediata.
Seguindo a mesma linha de “Mentes Perigosas”, com Michele Pfeifer e “Escritores da Liberdade”, com Hilary Swank, tão bons quanto o título em questão, a diferença de “A Gangue está em Campo” é que ele trata o problema sob a posição de quem já foi parar no fundo do poço.
Eu recomento. Um mergulho ao mundo da subconsciência não vai matar ninguém. Já o descaso, esse sim pode fazer muitos estragos….