Um clássico que nunca foi tão atual em tempos difíceis….
Sempre que se fala em qualquer lista de clássicos da história do cinema, dificilmente não se verá A Felicidade Não se Compra. E o longa de Frank Capra não ganhou esse peso à toa. Tanto que se tornou quase uma espécie de tradição natalina para muitos americanos.
Os mais de 130 minutos produzidos em 1947 marcam um cinema ainda jovem em cores e com pouco mais de 30 anos como um formato de entretenimento para o público. Hoje, com 73 anos, o longa poderia facilmente ser considerado uma “velharia”. Mas em tempos difíceis talvez sua história nunca tenha sido tão atual.
Mesmo apaixonada por cinema, acredite ou não, em meus 34 anos bem vividos eu nunca tinha visto… Por isso não poderia ter melhor escolha para inaugurar o projeto sextas de cinema…
A Felicidade Não se Compra conta a história de George Bailey, um homem que ao longo da vida deixou de lado muitos sonhos para proteger seus valores e o negócio da família. Mas diante de uma falência e com o futuro de sua família em risco, ele está a beira do suicídio quando é interrompido por seu anio da guarda e tem a oportunidade de ver como teria sido a vida de todos ao seu redor se ele não tivesse nascido e a importância que tem na história de cada um.
E é aí que a verdadeira essência do longa se faz tão atual. Em meio a uma pandemia, com inúmeros empresários falindo e profissionais sem emprego, quantas pessoas hoje se sentem como George Bailey? Em uma sociedade caótica e visceral, quantos de nós consideram em algum momento nunca ter nascido? Quantos chegam perto do suicídio? E quantos não vêem seu anjo da guarda chegar a tempo?
Por meio de uma metáfora atemporal, independente de crenças e credos, Capra entrega uma mensagem honesta e tocante. E para isso divide o filme em duas partes.
Primeiro temos a oportunidade de acompanhar toda a vida de George Bailey até o momento fatídico de sua decisão. Depois, com a chegada de Clarence, seu anjo da guarda de segundo escalão que tem a missão de salvá-lo para enfim receber suas tão desejadas asas, Bailey revive sua noite na pele de alguém que nunca nasceu e percebe quanta coisa mudou sem sua existência.
Mesmo sem as edições modernas e dinâmicas que trazem aos filmes contemporâneos uma fluidez que torna o tempo imperceptível, o tempo e a velha tecnologia em nada atrapalham o andamento de um James Stewart impecável em cena. E seu talento fica mais evidente quando depois de mais de 60 minutos sendo um George doce com todos, mesmo perante suas frustrações pessoais, ele perde o controle com seu tio Harry ao ver o caos que o sumiço de oito mil dólares (uma fortuna à época) poderiam causar para sua financeira. É quase chocante ver como ele trata o tio e a própria família logo a seguir, e isso traz todo o realismo à trama com um incrível paralelo ao que muitas famílias vivência na vida real.
Assim como muitos de nós, George não é o cara que se deu melhor na turma. Ele é surdo de um ouvido, não tem uma mansão, não viaja todo ano, não se tornou o profissional que sonhava, não trabalha com o que ama, não conheceu o mundo e não ostenta um carro novo. Com alguma dificuldade mantém as contas em dia. E sente o peso diário dessa labuta imaginando como a vida poderia ser diferente se tivesse tomado outras decisões. Ou se tivesse simplesmente pensado mais em si mesmo e menos nos outros.
Este é, por sinal, outro gancho importante na mensagem do filme. Altruísmo. Quantas vezes nos questionamos se vale a pena colocar a felicidade do outro em primeiro lugar e a nossa depois? Ou abrir mão de um desejo para fazer o bem ao próximo, que naquele momento precisa de você?
E se Clarence é o anjo da guarda sem asas de George, Mary é o pilar que sustenta sua estrutura na imagem de uma Donna Reed bela, cativante e que irradia uma energia tão boa que dá vontade de ligar pra ela e chamar pro almoço de domingo. Boa sem ser piegas, correta sem ser certinha demais. Na medida. É ela quem se torna o equilíbrio de George em meio às frustrações, que aceita e apoia o marido mesmo que isso signifique não ter uma vida melhor ou renunciar, por exemplo, à própria lua de mel. E é ela também quem o salva da prisão quando George retorna de sua visão sobre uma vida sem ele na cidade.
Entra em cena, então, a lógica de quem faz o bem recebe o bem. Depois de ajudar toda uma cidade ao longo da vida, é neste momento que, pela segunda vez, a cidade ajuda Harry a salvar o negócio da família em plena noite de Natal, com uma mensagem de esperança para que todos saibam que quem tem amigos nunca está só.
E, convenhamos, numa das maiores crises da era moderna, com pandemia, isolamento, crise política-economia-social, corrupção e descrença, essa lógica nunca foi tão necessária e atual.
É impossível não citar ainda o sr. Potter, figurão controlador que quer dominar a cidade e ser o único no poder. Encare ele como qualquer político que esteja nas manchetes e noticiários do momento. A maldade enraizada sempre esteve ali, mas no momento final a gente até acredita que ele vá ceder e ajudar George, mesmo que seja apenas para exercer o tão sonhado controle sobre ele. Mas não. Ele prefere o pior caminho da maldade e ver George na cadeia do que apenas o controle. Simples e unicamente por orgulho e vilania. Agora me diz se isso não é a política brasileira que temos visto na teve quase todo dia, principalmente agora na guerra por vacinas, em que todos deveriam estar unidos pelo bem comum, mas preferem tripudiar e atrasar o relógio a favor da contagem da ceifadora?!…. Anyway, esse não é um post sobre política…
E a participação do jovem George Bailey tbm é primorosa. Já nos primeiros minutos de filme a cena com o farmacêutico entorpecido após perder seu filho e que quase se torna responsável pela morte de uma paciente ao misturar veneno na medicação já mostra que o longa não veio pra brincadeiras….
Capra mostra que faz um excelente trabalho não apenas na direção, mas também no roteiro e produção.
Minha recomendação é: aproveite que ainda estamos em isolamento, faça uma pipoca, pegue um refri, deixe uma sobremesa no jeito e separe um lencinho por precaução. Não importa sua idade ou geração, A Felicidade Não se Compra deveria ser um passaporte obrigatório pra todos aqueles que precisam de uma brisa de conforto em tempos difíceis ou um vislumbre de esperança de que sim, vale a pena fazer o bem. Uma hora ou outra ele vem pra você também.
Se nada te agradar, então pelo menos terá riscado da sua lista de vida a missão de ver um filme histórico e espirituoso.
Tem na Amazon Prime.