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Finais Felizes


“E o príncipe beijou a princesa, e eles viveram felizes para sempre….”

Todo conto de fadas termina com o nosso velho e conhecido final feliz. Mas será que nunca ninguém parou para se perguntar o que teria acontecido após o “The End”? Como teria sido a vida das personagens dos tão conhecidos contos de fadas que ouvimos quando éramos crianças e contamos à nossos filhos quando crescemos? O que será que aconteceu à Branca de Neve? Como foi a vida de Bela após deixar de ser a “moça estranha” do vilarejo para tornar-se uma dama? Será que é tão simples e fácil assim?

Se pararmos para pensar, podemos tentar imaginar o que pode ter acontecido à cada uma das personagens dos contos infantis. E mais do que isso. Podemos acabar descobrindo que aquela história de “viveram felizes para sempre” pode não ser tão verdadeira como dizem. Como assim? Simples. Basta traçar um paralelo com a realidade e teremos um quadro bem interessante sobre o verdadeiro “final”, por assim dizer, dos contos de fadas.

Comecemos então pela Branca de Neve. O primeiro conto de fadas a se tornar o grande clássico de sucesso da Walt Disney. Conta a história que Branca de Neve era a moça que vivia sob a ditadura de uma Madrasta má e narcisista que queria ser a mais bela mulher do reino, até descobrir em seu espelho mágico que havia alguém mais bela que ela – sua enteada. E como isso era inaceitável, a madrasta manda o caçador se livrar da pobrezinha, e ela acaba indo parar na casa de sete anões que se tornam seus companheiros. A bruxa velha da Madrasta por sua vez, quando se depara com o coração de porco que o caçador traz no lugar do de Branca de Neve, imediatamente trata de envenenar uma maçã e se vestir de mendiga para levar o presentinho à adorável Branca de Neve, que morde a maçã e cai em sono profundo, até que o príncipe venha salvá-la com um doce beijo de amor. E viveram felizes para sempre…. Será? Se analisarmos bem a história, a aparição do príncipe não poderia ter sido mais conveniente para Branca de Neve, que não agüentava mais viver com a bruxa velha no seu pé. Então, de quebra, ela se livra da bruxa e aparece um príncipe apaixonado, lindo e rico: perfeito! Não poderia ter sido melhor. Os anões iriam visitá-los no castelo, e logo viriam os filhos. Tudo lindo e maravilhoso. Mas e dez, vinte anos depois? Ainda seria assim, tamanha perfeição e harmonia? Sim, porque ela se livrou na bruxa, mas se o príncipe não era filho único, então ela ganhou um cunhado ou cunhada, o que pela sílaba inicial da palavra já sabemos bem o trabalho que dá. E caso ele fosse filho único, de qualquer forma ela teria ganhado uma sogra mesmo. E na primeira briga, em que ele diria “Eu jamais deveria tê-la tirado daquela cripta de vidro”. Como seria? E aquela pela branca como a neve seria tão perfeita eternamente? Afinal, um dia as rugas acabam aparecendo, faz parte das leis da natureza.

Bela Adormecida. Cresceu refugiada no chalé do vale sem saber quem era, de onde veio e que havia um mundo afora daquele lugar. Mas apesar disso era feliz, a vida era tranqüila, e havia conhecido um belo rapaz. Então de repente o mundo desaba sobre seus sonhos: ela descobre que é uma princesa, e que deve abandonar o belo rapaz para se casar com o príncipe à quem foi prometida no dia em que nasceu. Não bastasse isso, claro que a bruxa má da história lançou-lhe um feitiço para estragar a felicidade de todos. Mas vejam só que ironia do destino! O belo príncipe que a salva com “um beijo doce e casto” é justamente o jovem por quem ela havia se apaixonado! E ainda por cima ela acaba de ganhar um pai e uma mãe que sequer sabia existirem! Incrível! É como um sonho que se torna realidade e termina com final feliz!… Agora os fatos. Diferente da passiva Branca de Neve, que aceitava todas as maldades da madrasta sem dizer um pio, a Bela Adormecida era mais ativa. Quando soube que viveu uma vida de mentiras, revoltou-se e não pode acreditar em tamanha tristeza. Mas claro que, como toda boa moça, ela foi cumprir seu papel no reino. Aí chega lá e, depois de se livrar dos empecilhos causados pela bruxa má, toda a tristeza se reverte em felicidade dobrada. Parece até uma daquelas promoções três em um: beije o príncipe e ganhe um exclusivo pacote contendo seus pais e o título de princesa! Claro que a situação era favorável à ela, afinal deixou de ser camponesa para se tornar praticamente Rainha. Mas entrando na máquina do tempo, vamos parar uns 15 anos depois do casamento real. E o que temos aqui é um quadro de várias possibilidades. A princesa acaba descobrindo que a vida de camponesa era muito mais simples e agradável, pois seus deveres de majestade a estão enlouquecendo, afinal, o tempo se passou, tudo se modernizou, o reino já não é mais o mesmo, e fica cada vez mais difícil aturar as aventuras amorosas de seu marido, o príncipe Filipe, que, como todos sabemos, tinha fama de garanhão desde os tempos de solteiro, e com o passar dos anos de casamento se cansou da cantoria da princesa e decidiu conhecer “novos horizontes”.

Cinderela. Essa é um caso clássico de oportunismo. Vamos ao que diz o conto: após a morte do pai, jovem torna-se escrava da madrasta e de suas duas aterrorizantes filhas. Com o acontecimento do baile real para que o príncipe escolha sua futura noiva, só mesmo a fada madrinha para dar uma mãozinha na ida da Gata Borralheira ao baile. E para felicidade da moça, ela é justamente aquela a encantar o príncipe. Mas ao soar das doze badaladas, a moça precisa imediatamente ir embora antes que torne a ser a escrava familiar, porém, não sem deixar uma pista no caminho: seu sapatinho de cristal. E após uma longa romaria pela dona do sapatinho, o príncipe finalmente encontra sua alma gêmea. E viveram felizes para sempre… Puro oportunismo. Claro, afinal, deixar de ser a escrava de uma madrasta megera e duas irmãs insuportáveis para se tornar princesa é melhor do que ganhar na Mega Sena acumulada. Mas eu duvido que ela tenha se lembrado de levar os ratinhos, o cachorro e o cavalo que a ajudaram durante todos os seus anos de escravidão para viverem com ela no castelo. Sem contar que ela não era nenhuma moça de posses ou renome, o que com certeza trouxe problemas para que ela fosse bem aceita pelo rei e pela rainha. Obviamente eles não iriam demonstrar isso ao filho logo de cara, mas com o passar dos anos isso se tornaria claro. Sem contar que com a mania de limpeza que ela tinha, isso certamente seria um problema digno de terapia ou de muitas brigas com o príncipe. Agora, não dá para deixar de comentar: de que tamanho era o pé dessa moça? O cara percorreu o reino inteiro e o sapato só serviu nela?!! Muito suspeito…

A Pequena Sereia. A princesa sereia dos mares se apaixona pelo príncipe Eric, mas há um pequeno empecilho entre eles: o cara é humano. Ela então troca sua voz com a bruxa dos mares para tornar-se humana e conquistar o tal. Mas a bruxa do mar é ambiciosa, e não está contente em fazer maldades só no mar, então ela se finge de Ariel e dá um pulinho em terra firme para casar com o príncipe no lugar da moça. Mas no fim tudo termina bem, e o rei dos mares torna sua filha uma mulher para que ela vá viver feliz para sempre com Eric… Traduzindo: moça do interior se apaixona por ídolo da cidade grande e não vê a hora de abandonar seu mundinho pacato para viver as grandes emoções da metrópole. Na história, mesmo com todos os desafios e problemas que ela enfrenta no caminho, consegue chegar lá. Conquista o príncipe e vai viver com ele. Só que para isso ela teve que abandonar a família. Pois é, disso nem todo mundo havia se lembrado, porque não venha dizer que ela ia comprar uma casa na praia só para ficar o tempo todo bem pertinho dos parentes. Fora que nem precisa duvidar de que com o passar dos anos ela ia acabar descobrindo que o fundo do mar era bem mais seguro e tranqüilo do que a terra. Aí quando os problemas conjugais começassem a surgir, ela também se arrependeria eternamente por ter abandonado a família e agora sentir-se tão sozinha.

Alladin. Nas mil e uma noites da Arábia o jovem ninguém enfrenta o mal e conquista o amor da princesa Jasmim, tornando-se príncipe e blá-blá-blá. E viveram felizes para sempre… Qual é! Vai negar que ele estava mais do que interessado na grana da moça? Para começar ele era um tratante trambiqueiro, e ninguém deixa a vida de crimes sem ressaca assim, tão fácil. Para ajudar, ele arruma um gênio da lâmpada tão tratante e irônico quanto ele. Aí ele conhece uma princesa bonita, rica e levemente temperamental (para dar um esquentada na relação). Até eu que sou mais boba ia topar essa fácil, fácil.

Güinever. Essa aí nem disfarçou para trair o Rei Arthur com o Primeiro Cavaleiro, Lancelot. Sem comentários. Nem precisa explicar.

Pocahontas. Princesa pele vermelha se apaixona pro bonitão-boa-pinta-cara-pálida, mas o amor entre os dois jamais será possível… Essa sim traduz a realidade. Mesmo com todos os costumes e tradições de seu povo, a moça é independente e indomável. Pode-se dizer ainda corajosa, madura e honrada, pois não seria qualquer uma que ia colocar sua cabeça debaixo de uma machadinha (detalhe: empunhada pelo próprio pai) para salvar a vida de um inimigo branco e acabar resolvendo o conflito com mais sabedoria que o mais experiente chefe da tribo. Tudo lindo até aí, e todos esperando pelo costumeiro final feliz. Mas não é o que acontece dessa vez. Vítima de um tiro (dado pelo próprio chefe branquelo gordão), o bonitão precisa ser levado de volta à civilização para receber cuidados adequados e ter chances de sobreviver (o que me pareceu uma ofensa aos indígenas, porque toda tribo tem lá seus patuás-cura-tudo que de repente poderiam até funcionar com o ferimento). Ele pede a Pocahontas que venha com ele. Mas o mesmo espírito forte e decidido da moça que o salvaram da morte a impede de partir, pois ela sabe que aquele era o seu lugar. Em qualquer outra história ela ia correr pegar a trouxinha, dar um abraço no pai e pular barco adentro viver com o amado. Mas não aqui. Alguns diriam “ela deveria ter tentado”. Mas Pocahontas era sensata demais para correr o risco de tentar algo tão ousado e ainda por cima colocar em perigo a vida de seu povo. E olha que ela era teimosa e ousada o suficiente para faze-lo se quisesse. A falta do final feliz condenou o filme ao fracasso, mas retratou uma realidade muito mais verdadeira, que não vimos nos outros contos.

Outro que, apesar de ter final feliz, retrata bem a realidade das coisas, é o tremendo sucessos de Shrek. Esse, com toda a fantasia envolvida e crítica aos clássicos infantis, é bem realista. Tanto que quando a princesa está pronta para tomar sua verdadeira forma, todo mundo logo pensa que ela vai permanecer eternamente com a Fiona de cintura fina e pele de bebê. E qual não é a surpresa geral quando ela se torna… ogro! Sim, o amor não tem que ser bonito em aparência, pois ele é sempre belo aos olhos de quem ama. Aí os pombinhos vão ter que enfrentar todas aquelas coisas que enfrentamos no mundo real: conhecer os pais da noiva, que não vão com a nossa cara; aturar um ex-pretendente babaca e a maléfica mãe dele, que é amiga do pai da sua mulher e faz de tudo pra ver os respectivos filhos juntos; participar dos simpáticos jantares familiares que sempre rendem discussões noturnas para o casal, etc. Ah, sem esquecer do amigo chato do marido que mora mais na casa de vocês do que na própria, e só não vai junto na lua-de-mel porque você não deixa.

Se nada disso bastou ainda para convencê-lo de que essa história de final feliz é uma roubada, então vamos às provas reais.

Lady Diana e Príncipe Charles. Linda, simpática e adorável. O mundo se apaixonou por ela. Casou-se com o príncipe narigudo que ninguém entende o que tinha de tão bom para ser seu escolhido, o que já nos leva à certeza de que por detrás dessa cortina tinha coisa. Nascem dois belos herdeiros, a princesa torna-se um exemplo de embaixadora da humanidade, ajuda todo mundo, e conquista o mundo com sua beleza e seus feitos. A farsa do casamento lhe rendeu um terrível caso de bulimia, até o dia em que ela não agüentou mais segurar a cortina e pulou fora. Nem assim deixou de ser a queridinha da Inglaterra, e quem saiu de cara amarrada foi o príncipe. Algum tempo depois ela conhece alguém, se apaixona, e está para se casar com o novo (e talvez dessa vez verdadeiro, ou pelo menos sincero) amor. Mas, um acidente que permanece até hoje muito mal explicado embarga os planos do casal, tirando-lhes a vida e a possibilidade de um futuro feliz. O príncipe, por sua vez, alguns anos depois casa-se logo com quem? Com um ex-motivo de fofoca e caso amoroso, dos tempos em que ainda era casado com a Lady Di. Os filhos, que até a morte da mãe eram exemplos a serem seguidos por todo e qualquer jovem inglês, passam a ser noticiário de fofoca e escândalos para a mídia. Até hoje o mundo chora a tristeza da adorável princesa. Sem final feliz.

Eu não conheço nenhuma história de príncipes árabes do mundo real à fundo, mas nem precisa conhecer. Se meu marido tivesse mais de um esposa (“eu”), certamente os problemas conjugais não seriam poucos, por mais que isso fizesse parte da cultura do meu povo. Logo, nada de final feliz.

A lista de exemplos pode ficar infinita se tentarmos lembrar de cada caso possível de análise. E a resposta vai ser sempre a mesma. O “final feliz” que eles retratam não passa de uma ilusão. Veja bem, não estou dizendo que o finais são infelizes, nem que eles não podem ser felizes, mas toda a aura e magia dos “finais felizes” nos contos de fada não passam de uma máscara fantasiosa para que possamos fugir da realidade por um momento e experimentar um pouco da sensação de alívio e tranqüilidade que apenas eles nos permitem sentir. A realidade é bem diferente do que vemos no mundo da fantasia, mas muitas vezes é esse mundo que nos salva e liberta da ansiedade de nos sentirmos presos à uma vida pacata e sem emoções o suficientemente fortes para nos mantermos vivos.

O problema dos finais felizes é que passamos a vida inteira os idealizando e acabamos esquecendo que é preciso viver para que eles aconteçam. E enquanto estamos fazendo planos e mais planos deixamos de viver o momento e cada alegria que ele possa nos trazer com toda intensidade possível para que ele se torne completo e possa compor o tão desejado final feliz.

O que não compreendemos é que não são os finais que nos faz felizes, mas os momentos. Sequer sabemos quando chegará o fim, e se o fim chegar, como seremos felizes? Um último suspiro no leito da morte só pode ser feliz se tivermos lembranças o suficientemente boas para saber que a vida realmente valeu a pena. E quem faz as lembranças são os momentos. São nos momentos que se encontra a receita para o segredo da felicidade. Quanto mais intensamente vivemos o presente, mais lembranças teremos.
Momentos de tristeza ou de alegria, de medo, angústia ou explosões de felicidade. Não importa qual o momento. Ele deve ser vivido. Se tivermos de nos arrepender, que seja pelo que fizemos, porque não há nada pior do que carregar o arrependimento por algo que não se fez. Temos o direito de errar, de ter medo, de amar. Temos o dever de faze-los. Esse é o segredo. Muitas vezes nos perguntamos: qual o sentido da vida? Mas o que não sabemos é que essa resposta é muito mais simples do que as respostas absurdas e teóricas que buscamos. O sentido da vida está em saber como construí-la de forma que, um dia, quando já estivermos velhos o suficiente para dizer que já fizemos de tudo, mesmo ainda tendo muito a se fazer, olharmos para o presente e vermos tudo aquilo que conquistamos. Se o quadro diante de seus olhos for bom, então você soube encontrar o sentido da vida. Se não, então ainda há tempo para buscá-lo. Mas é bom correr. Sorria, cante, ame, corra, chore, grite, erre, acerte, tente outra vez, faça tudo de novo de um jeito diferente, invente, acrescente, aumente, diminua, descubra, conquiste, admire, fuja, volte, espere, inove, emocione, surpreenda, descanse. Mas faça. Nunca desista. Um dia, quando olhar para trás, você compreenderá tudo isso, e finalmente encontrará o verdadeiro final feliz.

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