Envelhecer não é nada fácil. É apesar dessa fase tirar da frente todos os anseios sobre as possíveis conquistas de uma vida toda a frente, ela carrega consigo outros medos e uma bagagem repleta de muitas experiências, algumas frustrações e várias saudades.
Mas, acima de tudo, o envelhecimento traz dois grandes fantasmas principais: o receio de não ter construído um legado e alcançado sonhos e a difícil tarefa de testemunhar, um a um, a partida de seus próximos.
E é exatamente essa essência que o método Kominsky leva ao espectador com um roteiro leve, cativante e repleto de situações que qualquer pessoa que convive com um idoso vai facilmente identificar como verdadeiras.
Na trama, Sandy Kominsky – um Michael Douglas que veste a própria idade em um de seus melhores papéis – é um ator frustrado que vive da grana em ser um instrutor em uma oficina de atores em divida com o fisco e com uma coleção de divórcios na lista, ele conta apenas com a filha Mindy para manter a escola em pé e o agente é melhor amigo, Norman Newlander.
Norman, por sua vez, é o típico velho ranzinza e rabugento enfrentando a recente perda da esposa de toda uma vida, a insatisfação com seu trabalho, uma filha quarentona viciada que entra e sai de reabilitação periodicamente e um neto adepto cego da cientologia, ele é o contraponto de Sandy e seu maior aliado pra permanecer nos trilhos. Vivido por um Alan Arkin espetacular.
A história começa justamente a partir do momento em que a Eileen, falecida esposa de Norman, se vai é ele precisa lidar com a ausência de quem era sua razão para viver. Sua válvula de escape para enfrentar o luto é conversar com a esposa como se ela ainda estivesse viva, até mesmo sobre os possíveis novos casos românticos que surgem em seu caminho.
É tbm Norman quem dá a Sandy o dinheiro pra escapar de perder o pouco que lhe resta enquanto pula de galho em galho como o velhote que namora mocinhas.
Mas sua reação hilariante ao efeito espelho acontece justamente quando ele conhece Martin, o namorado da filha, que tem a mesma idade que Sandy e com quem ele acaba por compartilhar as dores e sabores da velhice…
Durante três temporadas acompanhamos a saga dessa dupla com tiradas cômicas sensacionais que há muito não se via em uma boa comédia. Mas o mais fantástico é acompanhar como essa abordagem é realista e a relação entre essa dupla tão afinada. Eles chegam aquele ponto de intimidade em que se fala coisas que você jamais contaria para outra pessoa. Uma amizade que todos gostaríamos de ter ao envelhecer.
Com exemplos práticos, eles mostram q com a melhor idade, a maturidade se transforma novamente no espírito de criança e discutem como adolescentes (e quem nunca viu os avós encenar e isso, está mentindo). Alguns medos se vão, mas outros chegam mais rápido. Eles enfrentam problemas de próstata, temem não subir o mastro com novas namoradas ( e a descrição do triunfo de Norman é uma sessão de riso só solta), enfrentam as mais diversas doenças, lidam com tratamentos de câncer e veem a morte chegar cada dia mais perto…. Velórios se tornam eventos comuns e a vida passa a ser contada não mais em anos ou meses, mas em dias.
E de repente a morte chega toa perto que é quase paralisante.
[SPOILERS]
No início da última temporada, Sandy precisa se despedir do melhor amigo Norman. E a ausência do humor ácido e grosseria peculiar do parceiro encontra apoio na chegada da ex-mulher de Kominsky, Roz, que vem para a cidade cuidar do casamento de Mindy.
Essa. Isso a cabe a Kathleen Turner, que há 30 anos foi a parceira de cena desse mesmo Michael Douglas em “Tudo por uma Esmeralda”, tornando o reencontro nostálgico. Porém, a Dra Roz esconde um segredo: está em tratamento para leucemia.
Seu desejo em ver a filha se casar acelera as coisas enquanto Sandy desfruta de uma oportunidade que foi o grande último ato de Norman antes de sua partida: encenar um grande filme. E a frustração de uma carreira inteira em busca de um sonho que nunca se realizou parece muito pesada para lidar quando ele se transforma em real num outdoor de Los Angeles.
Mas a vida, cruel e sorrateira, é feita de contrapontos. E enquanto Sandy vive o sonho na carreira, vê a filha casada e parece estar de volta aos trilhos, a morte da ex-mulher chega como mais um golpe da foice furtiva anunciando a morte cada dia mais perto.
E não é assim a realidade de um idoso?
Por mais que todos saibamos que a morte é nossa única certeza em vida, nada nos prepara de verdade para enfrentá-la. E esse temor é muito bem retratado pela ótica idosa na trama. Tenho acompanhado meu avô perder parentes e amigos com uma frequência cada vez maior ao longo dos anos e o impacto disso é silencioso e ensurdecedor ao mesmo tempo. Aos poucos mesmo noó, mais jovens, começamos a lidar com o crescimento desse volume em nossa vida. E esse efeito cadeia cria reflexões profundas em alguns dias….
Com três curtas temporadas, mas necessárias para a experiência de qualquer pessoa, a trama acerta nos altos e baixos, apesar da triste ausência de Arkin na temporada final, e entrega um encerramento poético com a premiação de Sandy com um Emmy e um discurso que homenageia Norman, Mindy e Roz, aquela que acreditou nele mesmo quando ainda era apenas um barman.
Método Kominsky é uma série que deve e merece ser vista. Diversão garantida, reflexão sobre o ciclo da vida e uma dose saborosa de humor de qualidade.
Tem na Netflix, AQUI.