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A mais linda carta de amor

A mais linda carta de amor

A carta de Richard Feynman à sua falecida esposa é, além de uma das mais lindas declarações de amor que você verá, a certeza de que algumas pessoas vêm à este mundo destinadas a sentir o mais puro e sublime significado do amor. Algo que, infelizmente, nem todos poderão experienciar.

Eu, como uma amante da escrita, sinto falta do tempo em que escrevíamos cartas (ou e-mails, que eram o correspondente virtual na “nova era”) para as pessoas. Tive bons tempos disso. Altas e profundas conversas em longos e-mails, talvez muito mais intensas do que tantas conversas de mensagens rápidas e curtas que as pessoas passam horas trocando hoje em dia. A era do “fast comunication” tirou um pouco da graça e do brilho que as conversas profundas traziam. Não à toa vivemos no período das “relações líquidas”. Se as pessoas têm pressa pra tudo e a juventude abrevia até mesmo o “Sim”, uma palavra de 3 (TRÊS) letras, para “ss”, como haveríamos de esperar que uma carta, seja ela física ou digital, tivesse espaço.

Uma mensagem mais longa no WhatsApp já vira sinônimo de incômodo para muitos. E quem não tem tempo de ler uma mensagem um pouco mais densa, tem ainda menos comprometimento em trabalhar na complexidade de um relacionamento.

Obviamente não estou generalizando. É claro que há pessoas incríveis, amizades incríveis e amores incríveis mundo afora. Mas isso tem se tornado cada dia mais raro. E não à toda vemos uma geração cansada, que não consegue mais se aproximar e na qual as cartas longas e emocionadas deram lugar à curtidas e visualizações. “Fulano curtiu meu story e visualiza todas as minhas publicações”… É triste, mas de repente isso se tornou o auge do flerte na modernidade. E nem adianta esperar muito mais do que isso, porque do outro lado a reação é a mesma. E assim um espera do outro, ninguém avança, e dois solteiros cansados acabam nunca se encontrando. Será que não merecemos um pouco mais do que isso? Do que curtidas infindáveis que nunca se tornam um “Oi, vi isso aqui e lembrei de você” ou “Tô querendo ir ali tomar um sorvete, bora?”… Saudades dos tempos em que um bilhetinho lançado na carteira de alguém na escola rendia bem mais do que isso…

A grande ironia é que a era digital prometeu aproximação e está gerando mais afastamento do que nunca. Prometeu encontros e está entregando solidão.

Onde foi parar a emoção da tentativa? A ousadia em se arriscar mesmo sabendo que poderia ser um “não”?

Acho que é por isso que nunca tive muito interesse ou paciência nos apps de relacionamentos e sempre fui mais aquela coisa “antiquada” do flerte presencial. O problema é que até o presencial foi impactado por essa era do virtual e hoje boa parte das pessoas tem “preguiça” de se arriscar.

Aí se a galera abrevia até um “sim”, imagino que eu desviar meu pensamento nessa reflexão toda antes de falar da carta de Feynman já gerou um abandono de leitura lá no primeiro parágrafo… Mas tá tudo bem. Assim como Feynman, acho que aprendi bem cedo que, algumas vezes, não escrevemos necessariamente para agradar o interlocutor, mas apenas porque isso “inunda de calor o meu interior” (e como isso é bonito).

Sem mais delongas, vamos lá! Prometo que toda essa reflexão vai fazer sentido quando você ler a carta dele. Apenas acabei falando do sentimento que ela me gerou antes de trazer a própria à pauta.


“Cara Arline,
eu adoro você, querida.

Eu sei como você gosta de me ouvir, mas escrevo não apenas para agradá-la. Escrevo porque isso inunda de calor meu interior. Não escrevi por muito tempo, quase 2 anos. Mas sei que você vai me perdoar, um inveterado pragmático. Achava que não havia sentido algum em escrever para você.

Mas agora, minha querida esposa, sei que devo fazer aquilo que adiei por muito tempo e que, com tanta frequência, fazia no passado. Quero dizer que amo você. Quero amá-la. Sempre a amarei.

Com minha mente é difícil entender o que significa amá-la depois de morta, mas até agora quero protegê-la e cuidar de você. E eu quero que me ame e cuide de mim. Eu quero falar com você sobre os meus problemas. Eu quero fazer coisas diferentes com você. Até agora, isso nunca tinha me acontecido. Mas poderíamos fazer muitas coisas juntos: costurar roupas, aprender chinês, comprar um projetor de filmes. E agora, posso fazer isso? Não, estou tão sozinho sem você. Você foi o principal gerador de ideias e a fonte de inspiração para todas as minhas loucas aventuras.

Quando estava doente, você se preocupava por não ser capaz de me dar o que eu precisava, o que queria me dar. Você não deveria ter se preocupado. Não havia necessidade disso. Eu sempre disse que a amava muito, simplesmente por existir. E agora entendo isso mais do que nunca. Você não pode me dar mais nada e eu amo tanto você que nunca poderei amar outra pessoa. E eu quero que seja assim. Porque até morta você é muito melhor do que todos os vivos.

Eu sei que você vai dizer que sou um tolo e quer que eu seja feliz, sem se interpor no meu caminho. Provavelmente ficará surpresa ao saber que, durante esses 2 anos, eu não tive sequer uma namorada (exceto você, minha amada). E você não pode fazer nada a respeito. Eu também não posso. Não entendo nada. Conheci muitas garotas, incluindo algumas muito simpáticas, e não quero ficar sozinho, mas depois de alguns encontros, percebi que elas não significavam nada para mim. Eu só tenho você. Você é real.

Minha querida esposa, eu adoro você.
Eu amo a minha esposa. Minha esposa morreu.

Rich

P.S: Perdoe-me, por favor, por não ter lhe enviado esta carta: não sei seu novo endereço”.

Fonte: Vila dos Poetas


Richard Feynman foi um físico famoso de sua geração. Ele participou do desenvolvimento da bomba atômica na década de 1940 e ganhou o Prêmio Nobel em 1965 por seu trabalho em eletrodinâmica quântica. Seu senso de humor não tinha limites. O autor intitulou sua autobiografia “Só Pode Ser Brincadeira, Sr. Feynman!”. Além da física, o cientista gostava de química, microbiologia, tocava bongo, pintava retratos e estudava a escrita dos povos maias. Uma vez, conseguiu decifrar um código secreto e, assim, abrir um dos cofres do Pentágono.

Não surpreendentemente, por trás do grande homem havia uma mulher. Sua esposa, Arline. Os apaixonados saíam juntos da escola, mas a tuberculose tirou a vida da jovem em 1945, quando ela estava com apenas 25 anos e Feynman com 27. Quando não podiam se ver nos finais de semana, o casal costumava trocar cartas cheias de humor e amor. E quase um ano depois de perder Arline, Richard escreveu-lhe uma carta, que levava com ele para todo o lado sem abrir, até sua morte em 1988.

E se você, assim como eu, leu sem conhecer o histórico, certamente também sentiu um nozinho na boca do estômago quando descobriu que Arline estava morta. Esse pequeno detalhe torna essa carta um tesouro ainda mais tocante e precioso.

Feynman se casou mais duas vezes depois: com Mary Louise Bell entre 1952 e 1956 e com Gweneth Howarth a partir de 1960. E tá tudo bem sobre isso. A questão não é sobre ter amado apenas Arline em sua vida. Mas é sobre a intensidade e devoção com que a amou enquanto em vida e como o fato de seguir adiante não anulou aquela história de amor ao longo do tempo. E isso é tão, tão raro.

Acho que nem todas as pessoas são privilegiadas de conhecer ou vivenciar a verdadeira intensidade e entrega do amor e toda sua completude em vida. Alguns de nós passarão pela Terra com o ardente desejo de conhecer esse sentimento e nunca, de fato, sabê-lo como é. E não estou falando de paixão, ou de intensidade no sentido da brutalidade de amores avassaladores. Falo do amor intenso no sentido do mais puro estado de amor, mas aquele amor que traz calmaria, paz e tranquilidade ao coração. Aquele amor em que tudo simplesmente parece fazer sentido.

Eu ainda me lembro de quando li “A culpa é das estrelas” pouco antes do filme tomar a atenção do mundo e o quanto aquela experiência narrada por Hazel Grace e seu amor por Gus impactaram a minha percepção sobre amor. Suas palavras no ensaio do testemunho fúnebre para Gus resumem tudo: “Não imagina o tamanho da minha gratidão pelo nosso pequeno infinito, você me deu uma eternidade dentro dos dias numerados e por isso eu sou eternamente grata.

No fundo, no meio de todo caos que é essa vida, é isso que todos nós desejamos. A eternidade dentro de um pequeno infinito.

Há amores que não duram uma vida inteira, mas que, ainda assim, em sua brevidade conseguem transmitir essa percepção. Algumas pessoas terão o raro privilégio de viver isso até o dia de sua morte. Outras terão a benção de conhecer isso por um breve período, ainda que uma única vez na vida e por um período limitado. E isso por si só já é motivo de gratidão. Conhecer o amor mais puro, ainda que por apenas algum tempo. E outros de nós talvez jamais consigam ter essa vivência em nossa passagem terrena. Talvez transitemos pela vida apenas desejando e procurando a cada esquina ou no olhar de estranhos que, de algum modo, parecem familiares. Enquanto outros o viveram sem sequer se dar conta e apreciar ou aproveitar enquanto poderiam.

Então se você tem alguém que vale a pena ao seu lado, que desperta em seu coração a calmaria de um entardecer com as cores mais belas no horizonte e uma brisa que toca sua alma, vivencie isso profundamente. A vida é curta demais. Ame hoje. Não deixe para amanhã.

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