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A Copa das surpresas (e da reconciliação do amor ao futebol)

E eis que a Copa que mais parecia ser desinteressante para nós depois de uma frustradíssima derrota na semifinal de 2014 em plena terrinha brasileira de repente começou a surpreender e se tornar mais admirável e prazerosa do que nunca…

O primeiro ponto é que se você cresceu no (antigo e aclamado, embora hoje não mais fazendo jus à sua história) país do futebol, inevitavelmente você vai gostar de futebol. Mesmo que seja só na Copa. Você não sobreviverá ileso à emoção de um estádio inteiro entoando o hino nacional mesmo quando os autofalantes cessam a música ou ao grito da torcida quando a bola balança a rede do gol adversário. E vamos ser honestos: é uma sensação realmente incrível!

Mas o segundo e mais surpreendente fato é que a nossa história traumática coroada por um 7×1 nunca visto antes, que parecia tornar absolutamente certo nosso medo e ressalva pelo maior campeonato do mundo, não conseguiu o seu desejado feito. A Copa na Rússia veio para surpreender. Em todos os sentidos.
Afinal, nem é preciso dizer muito mais quando se tem a campeã mundial do último torneio (aquela do famigerado 7×1) desclassificada e em último da chave por um time nada espetacular ou ambicioso como a Coréia do Sul. Quem esperaria por isso? O que não faltaram foram memes e piadas em resposta aos alemães. Não tem como explicar o que assistimos e nem como traduzir a sensação que isso trouxe para cada brasileiro. Os alemães saíram de campo (e da Copa) perplexos(como nós!), desorientados e desconexos. Não faltaram pontos de desequilíbrio e desarmonia totalmente contrário ao que víamos na seleção que encantou a Bahia em 2014. Nós já vimos isso acontecer com nosso time, ir do pódio à lama, e sabemos o que significa. Conhecemos os erros que levam a isso. E não há como dizer que não somos solidários. Afinal, aquele 7×1 não foi culpa da Alemanha. Foi nossa culpa. Nossa culpa, na nossa casa. Imperdoável.
Imagine como os alemães voltam para casa, levando consigo a dor de não passar nem para as oitavas depois de levar o troféu para casa no último campeonato. E imagine como a Coréia volta para a casa… Mesmo eliminada, tiraram da Copa os campeões mundiais. Sequer existe motivo para tristeza. Foram ousados, destemidos e não se intimidaram diante da fama dos gigantes. E esse deveria ser o objetivo de qualquer time: fazer acontecer. Mereceram a vitória.
Ou ainda, quem poderia imaginar que a Argentina de Messi quase ficaria de fora da primeira fase e passaria um tremendo sufoco no combate com um time estreante no mundial que ganhou a simpatia do mundo ao se classificar para o torneio, tornando a Islândia conhecida para muitas pessoas que sequer se davam conta de que isso era um país em uma partida que alçou seu goleiro para um dos grandes nomes protagonistas do campeonato.
O que não faltam são zebras nessa Copa. A Rússia pode ser a terra dos cavalos, mas a Copa não estaria tão bem representada assim por tantas zebras e surpresas nem mesmo se fosse realizada no mais belo oásis africano.
Mas e o nosso Brasil? Acho que mesmo correndo em nosso sangue bordões como “brasileiro não desiste nunca” e “esperança é a última que morre”, era quase impossível manter a fé na Seleção depois dos últimos 10 anos um tanto quanto decepcionantes para o povo que ostentava o símbolo de “país do futebol”. Com um momento político e econômico conturbado, esse cenário transformava a Copa em um grande motivo de discussões e divisões sociais.
Some-se a isso um time com talentos claros, mas imaturos e despreparados. Um histórico de treinadores que suaram para tirar leite de pedra e não conseguiram chegar onde era preciso. E um craque que por muito tempo esqueceu que sem o time ele não existiria.
Quando a Copa começou, parecia que a receita do “in”sucesso que assistimos de perto no último campeonato poderia se repetir: jogos mornos e sonolentos, o estrelismo de Neymar, lesões e muitas oportunidades perdidas. Nos dois primeiros jogos o maior número de comentários que se via em qualquer rede social era sobre os tombos, quedas e encenações do nosso camisa 10. E ninguém esperava nada diferente na terceira partida. Ele seria o mais citado, mas não por sua glória, e sim por seu drama. E seria um jogo contra a Sérvia… Um time fraco, mas formado por brutamontes fisicamente em vantagem frente à nossa seleção de “mirrados”. Mas eis que veio a terceira partida. E onde esteve Neymar? Sumiu. Sua mais calorosa aparição foi na falta sofrida próxima ao banco do time, que rendeu seis rodopios bem encenados e exagerados no chão. E só. Muito pouco para um craque dos tombos que ostentava o mérito de render mais bolões sobre o número de quedas por partida do que por resultados de gols.
E quer saber? Não poderíamos ter notícia melhor!
O desaparecimento de Neymar trouxe de volta aos holofotes o mais importante de tudo: o time. Vê-lo representar não mais do que os outros jogadores e deixando de lado o “brilho individual” mostra que a lição duramente aprendida com tantos comentários negativos nas primeiras duas partidas finalmente fez efeito. E a tempo de corrigir outro erro histórico.
Aliás, outro ponto sobre o jogo de ontem, retomando o camisa 10, era o fato dele estar pendurado com um cartão amarelo. Dado o estrelismo habitual, um erro poderia ser fatal para o time. Mas ele nunca pensou nisso antes, era sempre seu brilho em primeiro lugar. Então até mesmo se seu “desaparecimento” na partida fosse apenas uma forma de evitar o pior, de algum modo isso já representou um espírito de equipe muito melhor do que visto antes então no campeonato.
A seleção tem ainda tempo e uma grande oportunidade de cravar um ponto de mudança na queda histórica do gráfico do futebol brasileiro. Prova disso são os resultados dos três primeiros jogos. Desde 1950, o Brasil só passou pela primeira fase sem sofrer gols em três ocasiões: 1958, 74 e 86. A seleção 2018 chegou perto, se não fosse por um gol da primeira partida. Mas o centro da questão vai além dos gols. Allison, o goleiro dos corações femininos, é até agora um dos menos acionados durante o campeonato na Rússia. Só precisou fazer duas defesas de acordo com o levantamento da Fifa e sofreu um gol. Entre os 24 times que atuaram em três partidas até o momento, só a Espanha teve menos intervenções (uma), mas foi vazado cinco vezes. Enquanto o México, nosso próximo desafio, precisou atuar 17 vezes na defesa, maior número entre todas as seleções. Podemos ler isso de duas formas: “jogamos com times fracos demais e com pouco ataque” ou “nossa defesa está trabalhando muito bem”. E vamos concordar que todos preferimos optar pela segunda, não é mesmo? Sobretudo se considerarmos o histórico do último campeonato.
O que falta? Partir para o ataque! Vimos muitas tentativas, mas falta agilidade para aproveitar as oportunidades na boca do gol. Aquela coisa do “ajeitar” a bola, ter certeza do lance e etc que acabam por dar tempo ao adversário de agir e impedir um bom resultado. É preciso mais fé nos riscos, mais “vamo lá, mete pro gol e pronto”. Mas claro que é muito fácil falar isso para quem está só assistindo do lado de cá. Vai lá fazer para saber como realmente é….
O que vimos em campo nessa terceira partida foi a comprovação de que craques tem talento, trazem tempero às partidas, mas craques também erram. E podem aprender com seus erros. E o que simboliza com mais força a queda do individual em prol do time foi a postagem do camisa 10: “unidos e focados em um único objetivo”. Resultado da estratégia orquestrada por Tite? Da pressão do povo brasileiro por mais futebol e menos arte? Nunca saberemos a respostas. Mas uma pequena ficha parece ter rolado a favor da mudança. E que ela se multiplique!
Que possamos ver esse espírito nas próximas semanas e que ele nos leve à final. Que ainda possamos vibrar muito e voltar a ter a esperança calorosa que o futebol sempre nos trouxe.
Dizem que não se pode alimentar esperanças cedo demais. E eu concordo. Todos sabemos que a expectativa é a mãe da frustração. Temos nesta segunda uma partida contra o México, que pode não ser tão simples quanto a Sérvia, mas também não vem se mostrando tão forte quanto esperado. Mas se seguirmos em frente, gigantes podem vir por aí até a final (olha a esperança aí de novo…). Então mais do que nunca, Tite (e o Brasil) tem a difícil missão de manter o foco e a cabeça da seleção sob controle. Queremos ver o post de Neymar representado em todos os momentos até o fim, para que a esperança volte a brilhar não apenas em nossos corações, mas também em nossos olhos e nossas ações.
A verdade mais obscura e secreta disso tudo é que uma vitória esportiva pode sim trazer força ao povo brasileiro para brigar por vitórias políticas, econômicas e sociais também. Há muito a se fazer. E se o esporte pode ser o grande potencial canalizador de tudo isso, então que possamos nutrir essa esperança cada dia mais.
Amém.

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